quarta-feira, 16 de junho de 2010

A respiração


Todas as pessoas têm bem presente na sua mente a importância que reside no acto vital da respiração. Já o mesmo não se pode dizer no respeitante às peculiaridades fisiológicas do acto, assim como às suas particulares vicissitudes.

Não importa, pois claro, gastar muitas letras a explicar o acto da respiração enquanto processo fisiológico. Chegará, talvez, dizer que o processo respiratório se faz de dois tempos: (a) a inspiração, que corresponde à entrada do ar e subsequente expansão pulmonar, a qual resulta da contracção do diafragma e descida da sua parte central ou tendinosa (o centro frénico), e (b) a expiração, que corresponde à saída do ar, normalmente um processo passivo que resulta do relaxamento dos músculos inspiratórios e à recuperação da amplitude elástica dos pulmões.

Também não será muito importante falar da complexidade anatómica do aparelho respiratório, mas talvez seja relevante referir que, em termos físicos, desportivos e terapêuticos, ou melhor dizendo em termos mecânicos, nos podemos referir a três tipos de respiração: a respiração costal superior (que se faz sobretudo ao nível do tórax superior), a respiração costal inferior (que muitos referem como respiração torácica, por se efectuar numa zona relativamente ampla do tórax) e a respiração diafragmática (a qual se faz sobretudo nas zonas abdómino-diafragmáticas).

Em termos históricos, os dissemelhantes tempos respiratórios, assim como os distintos tipos mecânicos de respiração, têm sido diferentemente valorizados, tanto por diferentes culturas como em tempos determinados.

É tão grande a quantidade de funções que dependem directa ou indirectamente de uma boa ventilação que desde sempre, a respiração, símbolo da vida e da saúde, esteve no centro das preocupações do Homem. A cada época a medicina preocupou-se com isto desde a mais longínqua antiguidade. Chineses e hindus começaram por privilegiar o desenvolvimento da expiração. Depois, no Ocidente e durante o século XX, foi a vez da inspiração; aliás, a ginástica clássica moderna obstinou-se a reforçar o volume torácico e a força dos músculos inspiratórios... negligenciando completamente o facto de que para encher os pulmões é necessário antes esvaziá-los do seu ar viciado (Souchard).

De facto, quase todos os desportos contemporâneos se centram no desenvolvimento da capacidade inspiratória. Mesmo na Fisioterapia respiratória, é comum utilizarem-se diversas modalidades e/ou técnicas de inspiração forçada ou profunda, sendo que só ultimamente se tem dado alguma atenção ao tempo expiratório.

Podemos ver, por exemplo, pelo Yoga, a importância que certas medicinas menos convencionais dão ao acto respiratório amplo, inclusivo de uma inspiração profunda, feita do abdómen para o tórax (contemplativa, portanto, de diversos tipos respiratórios mecânicos) e de uma expiração igualmente profunda, feita em sentido inverso.

Na realidade, os métodos de reeducação postural, como o método Mézières e os de Souchard, centram-se num tipo de respiração completamente diferente desta última. Estes métodos dão primazia à expiração, sendo que tentam inibir o processo inspiratório activo. Ou seja, podemos dizer que a última grande atitude científica e reeducativa relativamente ao tipo de respiração praticada se centra, efectivamente, na efectuação de uma respiração torácica superior, com um tempo expiratório máximo e activo (dependente da contracção abdominal), o qual pode ser realizado estufando a barriga (permitindo ao máximo o prolongamento da expiração), contraindo os músculos abdominais essencialmente dinâmicos (rectos e oblíquos do abdómen) ou recolhendo o ventre (permitindo a contracção do músculo transverso abdominal e soalho pélvico), seguido de uma inspiração passiva. Ou seja, a reeducação postural centra o processo respiratório a um nível costal (à semelhança do Pilates), mas a um nível muito profundo no respeitante ao tempo expiratório; como o tempo expiratório é máximo, a inspiração subsequente é fundamentalmente passiva e não activa. Portanto, o que estou a dizer é que a respiração apropriada, ou seja, aquela que podemos considerar como de carácter reeducativo (no sentido postural do termo), corresponde à respiração inversa àquela que temos tendência a realizar no nosso dia a dia.

A respiração do dia a dia é essencialmente corrente, mas com tendência para inspirações mais prolongadas, principalmente quando são realizados esforços. Acontece que essa é uma função normal e hegemónica, a qual, num tempo reeducativo, tem de ser distorcida ou desembaraçada. Isto significa que, durante o processo de intervenção reeducativa, a respiração que se realiza durante horas e horas a fio tem de ser tornada paradoxal, com ênfase na expiração. E isto porquê? Porque a respiração com ênfase na inspiração, a qual mantemos em grande parte do tempo da nossa vida, tende a fixar o diafragma numa posição de bloqueio inspiratório. E este mesmo bloqueio está na origem das mais diversas deformidades posturais. Não devemos esquecer que a cadeia respiratória é central a todas as outras cadeias musculares. O alongamento global das cadeias só poderá ser realizado durante a expiração, quando o diafragma está a ser adequadamente distendido.

Assim sendo, também é fundamental sublinhar que todos os grandes esforços deverão ser realizados em expiração. Só assim se evita o bloqueio diafragmático e, simultaneamente, se facilita a contracção abdominal indutora de estabilidade vertebral. E aqui estamos todos no mesmo barco, pois é certo que os exercícios de musculação ou as diferentes actividades de fitness tendem a valorizar a expiração nas fases de maior esforço muscular.

Pela sua relação privilegiada com a coluna lombar e dorsal inferior, e uma relação indirecta com a cervical (feita através do sinergismo com os músculos inspiratórios da escápula e da nuca), o diafragma é um músculo lordosante. E obviamente que a necessária deslordose só se consegue pela expiração (e isto deve contemplar todas as irredutíveis compensações imanescentes). Pela sua relação íntima com as diversas cadeias musculares, o diafragma serve de transporte a compensações musculares deformadoras, entre a cadeia posterior e as cadeias anteriores. Por exemplo, a cifose torácica pode ter origem na retracção dessas cadeias anteriores, mas essas mesmas retracções tiveram necessária origem a nível posterior. Eventualmente, a directa retracção do diafragma ou dos músculos inspiratórios acessórios levam a que as aumentadas lordoses cervical e lombar se pareçam com uma (falsa) cifose torácica.

A lordose aumentada, derivada da contracção diafragmática na inspiração, é também o resultado da relação de sinergia entre o músculo inspiratório e o conjunto dos músculos paravertebrais (mas também esta relação pode ser perspectivada como um exemplo das já aludidas ligações entre o diafragma e as diversas cadeias musculares).

A respiração correcta é também apanágio do bom funcionamento do aparelho respiratório. No mundo da fisioterapia é comum dizer-se que patologias restritivas (como a atelectasia ou certos quadros infecciosos) se devem tratar com recurso à inspiração forçada e que as patologias obstrutivas (como a asma ou a doença pulmonar obstrutiva crónica) se devem tratar por meio da expiração forçada.

Mas eu diria que ambos os tipos de patologia ganham se forem tratadas com recurso a uma expiração prolongada.Esta permitirá o correcto alongamento da musculatura inspiratória, facilitando o seu trabalho e evitando a retracção indutora de insuficiência respiratória e consequente hiperventilação.

Publicado na 'Saúde Actual', Setembro/Outubro 2007 e retirado do blog: reeducacaopostural.blogspot.com/

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